Por Everton Martins

Em um mundo onde dados são o novo petróleo e ataques digitais acontecem em segundos, a segurança de uma empresa não se sustenta apenas em firewalls, antivírus ou softwares avançados de detecção e mitigação de intrusão. O comportamento humano exerce um papel crítico, muitas vezes mais decisivo que qualquer tecnologia. Pesquisas de instituições reconhecidas apontam que a maioria dos incidentes de segurança cibernética tem origem em falhas humanas, frequentemente cometidas por usuários comuns, fora do departamento de TI.

Este artigo apresenta dados e estudos que evidenciam como o fator humano é o principal vetor explorado por cibercriminosos, ilustrando com exemplos reais (sem identificar pessoas ou empresas) situações em que erros individuais abriram brechas para ataques. Também reúne orientações práticas de segurança digital pessoal para reduzir riscos e fortalecer a postura de segurança no dia a dia

As recomendações aqui reunidas seguem padrões e guias de referência amplamente reconhecidos, como os do NIST, ENISA e ISACA. O conteúdo é escrito em linguagem clara e acessível, para que todos os colaboradores, mesmo sem formação técnica, compreendam e apliquem as orientações, estimulando mudanças positivas de comportamento e criando uma cultura sólida de proteção de dados.

O Fator Humano: Principal Causa de Incidentes Cibernéticos

Não é exagero dizer que, em segurança digital, o elo mais fraco costuma ser o humano. Pesquisas conduzidas por universidades e órgãos especializados indicam que erros humanos são responsáveis pela grande maioria das violações. Por exemplo, um estudo da Stanford University em parceria com uma empresa de cibersegurança revelou que cerca de 88% de todos os vazamentos de dados resultam de equívocos de funcionários[1]. De forma similar, o relatório Data Breach Investigations Report da Verizon apontou que o “elemento humano” esteve presente em 82% das violações, seja por ataques sociais (como phishing e pretexting), erros ou uso indevido de credenciais[2]. Independentemente do percentual exato, o consenso entre especialistas é claro: a fragilidade humana é o principal fator por trás da maioria dos problemas de segurança cibernética[3].

Por que o foco nos usuários comuns? Porque os invasores sabem que é mais fácil explorar a confiança, o erro ou a distração de uma pessoa do que burlar diretamente sistemas bem protegidos. Funcionários de todas as áreas, não apenas de TI, possuem acesso a informações e recursos valiosos e, muitas vezes, não têm o mesmo treinamento em segurança. Fatores como excesso de confiança, rotina atribulada e falta de conscientização tornam os usuários mais propensos a cair em armadilhas virtuais. Quase 45% dos funcionários admitiram que a distração foi a principal razão para cair em um e-mail de phishing[4], e 57% dos trabalhadores remotos reconheceram ficar mais desatentos quando atuam de casa[4]. Os criminosos se aproveitam disso enviando mensagens convincentes (fingindo ser um chefe ou um serviço conhecido) e explorando nossa tendência natural de ajudar, confiar ou agir rápido sob pressão. Em suma, mesmo as melhores defesas tecnológicas podem ser contornadas se as pessoas não estiverem alertas e bem-preparadas. Um único clique impensado ou uma senha fraca podem abrir as portas para um ataque cibernético bem-sucedido.

Exemplos de Incidentes Originados por Falha Humana

Por trás de cada estatística, há incidentes concretos em que um descuido humano permitiu a ação de atacantes. A seguir, apresentamos quatro cenários exemplares (baseados em casos reais divulgados publicamente) que ilustram como erros individuais serviram de porta de entrada para ataques cibernéticos. (Nota: Os exemplos não mencionam nomes de empresas ou pessoas, focando apenas no mecanismo do ataque e na lição aprendida.)

  1. Phishing por E-mail Enganoso: Um funcionário recebe um e-mail aparentemente legítimo, simulando uma comunicação oficial de uma instituição conhecida ou do departamento de TI. Ao clicar no link fornecido e inserir suas credenciais em um site falsificado, ele entrega involuntariamente sua senha aos criminosos. Em um caso real, o diretor de um hotel clicou em um e-mail que fingia ser da Receita Federal; ao fornecer seus dados de login, os atacantes assumiram o controle de sua conta de e-mail e realizaram transferências bancárias indevidas, causando um prejuízo de mais de US$ 1 milhão[6][7]. Esse exemplo demonstra como o golpe de phishing (fraude via e-mail) é capaz de enganar até mesmo pessoas experientes, ressaltando a importância de verificar cuidadosamente remetentes e links antes de clicar.
  2. Engenharia Social por Telefonema (Vishing ): Nem todo golpe vem por escrito – muitos ataques ocorrem via telefone. Imagine um atendente recebendo uma ligação de alguém que se passa pelo suporte de TI ou por um gerente, alegando urgência para obter uma informação ou redefinir uma senha. Sob pressão e acreditando estar ajudando, o funcionário acaba divulgando dados confidenciais ou executando ações solicitadas pelo golpista. Essas técnicas de engenharia social por voz (conhecidas como vishing) têm um alto índice de sucesso: em testes simulados, cerca de 70% das organizações observaram funcionários revelando informações sensíveis a falsos agentes ao telefone[8]. Esse cenário evidencia a necessidade de procedimentos de verificação (por exemplo, retornar a ligação ao ramal oficial da empresa) e de treinamento para reconhecer abordagens suspeitas, mesmo quando vêm por uma voz amigável do outro lado da linha.
  3. Senha Fraca Facilita a Invasão: Muitas pessoas ainda utilizam senhas óbvias (como “123456” ou combinações baseadas em datas e nomes pessoais). Em um incidente típico, um atacante realiza tentativas automatizadas com listas de senhas comuns (ou executa um ataque de força bruta) e consegue acessar a conta de um usuário porque a senha era trivial. Alternativamente, senhas reutilizadas em vários serviços tornam-se um alvo fácil. Se uma delas vazar na internet, os criminosos rapidamente testam a mesma combinação em outros sistemas. A extensão do problema é alarmante: 81% das violações de dados confirmadas envolvem credenciais fracas, reutilizadas ou comprometidas[9]. Ou seja, uma senha mal escolhida pode derrubar todas as barreiras de segurança, dando ao invasor as “chaves” do sistema sem que ele precise explorar falhas técnicas sofisticadas.
  4. Uso Indevido de Credenciais: Nem sempre os atacantes adivinham ou roubam senhas. Em alguns casos, elas lhes são entregues de bandeja por práticas inseguras. Considere um colaborador que, por conveniência, compartilha sua senha com um colega de trabalho ou deixa anotado o acesso em um papel à vista de todos. Em outra situação comum, o funcionário utiliza a mesma senha corporativa em um site externo (por exemplo, um aplicativo de uso pessoal); se esse site for comprometido, a senha da empresa ficará exposta. Tais descuidos permitem que invasores entrem nos sistemas usando credenciais legítimas, sem disparar alarmes. Infelizmente, esses hábitos não são raros: cerca de 78% das pessoas admitem reutilizar senhas em múltiplas contas[10] e mais de 1 em cada 3 usuários já compartilhou senhas pessoais com terceiros[11]. Essas práticas ampliam drasticamente o risco de invasão. Uma vez de posse de credenciais válidas, os criminosos podem se movimentar dentro da rede da empresa como se fossem usuários autorizados, explorando dados confidenciais e causando danos antes mesmo de serem detectados.

Diretrizes de Segurança Digital Pessoal

A prevenção passa, inevitavelmente, pela conscientização e pela adoção de boas práticas por parte de cada usuário. A seguir, listamos algumas diretrizes fundamentais de segurança digital pessoal, baseadas em recomendações de institutos especializados, para ajudar você, dentro e fora da empresa, a proteger seus dados e reduzir os riscos no dia a dia online:

  • Senhas Seguras e Únicas: Use senhas fortes, de preferência frases secretas longas, e não reutilize a mesma senha em serviços diferentes. Idealmente, cada conta deve ter uma senha exclusiva e imprevisível. Desta forma, um vazamento em um site não comprometerá suas outras contas[12]. Para gerenciar dezenas de senhas complexas, adote um gerenciador de senhas, que armazena suas credenciais de forma segura e facilita o uso de combinações robustas[13]. Siga as orientações atuais de órgãos como o NIST e a ENISA: crie senhas ou passfrases longas e únicas para cada serviço, evite informações pessoais óbvias, e ative recursos de verificação de vazamentos (por exemplo, utilize sites como Have I Been Pwned[20] para checar se seu email apareceu em algum vazamento conhecido e troque imediatamente qualquer senha exposta)[14].
  • Autenticação Multifator (MFA): Sempre que possível, habilite autenticação em duas etapas nas suas contas (como um código pelo celular além da senha, ou apps autenticadores/biometria). Esse passo adicional dificulta enormemente a vida do invasor. Mesmo que ele descubra ou roube sua senha, não conseguirá acessar a conta sem o segundo fator. A eficácia do MFA é comprovada: a Microsoft observou que 99,9% das contas invadidas não utilizavam MFA[15], ou seja, pouquíssimos ataques bem-sucedidos ocorrem contra contas protegidas por múltiplos fatores. Em resumo, o MFA adiciona uma camada extra de defesa e deve ser utilizado no e-mail, bancos, redes sociais e qualquer outro serviço que ofereça essa opção[16].
  • Cuidados nas Redes Sociais: Nas interações online, especialmente em redes sociais, pense antes de postar ou clicar. Configure os níveis de privacidade do seu perfil para controlar quem pode ver suas informações pessoais e publicações[17]. Evite expor dados sensíveis (como endereço, telefone, detalhes financeiros ou rotina pessoal) de forma pública, pois essas informações podem ser usadas por criminosos em ataques de engenharia social. Lembre-se também de separar vida profissional da pessoal na medida do possível: não misture indiscriminadamente contatos de trabalho em perfis pessoais, e jamais divulgue informações corporativas confidenciais em suas redes. Pequenas atitudes, como não permitir que o navegador “lembre” sua senha em equipamentos alheios e revisar regularmente as configurações de privacidade, reduzem bastante sua exposição digital.
  • Proteção de Dispositivos Pessoais: Mantenha seus dispositivos atualizados e protegidos. Instale as atualizações de segurança do sistema operacional e dos aplicativos assim que possível, pois elas corrigem falhas que podem ser exploradas por atacantes. Utilize ferramentas antivírus confiáveis e mantenha-as ativas. Além disso, cuidado com o acesso físico aos seus dispositivos: não os deixe desacompanhados ou desbloqueados em locais públicos[18] e evite armazenar informações sensíveis sem proteção (por exemplo, anotações de senhas em papel). Considere ativar a criptografia de disco em laptops e smartphones. Desta forma, mesmo que seu aparelho seja perdido ou roubado, os dados estarão protegidos por senha. Um caso ilustrativo envolveu o furto de um notebook corporativo que não possuía criptografia e continha milhares de registros sensíveis, resultando em um sério vazamento de dados e milhares de dólares em custos de remediação e multas[19]. Para evitar situações do tipo, trate dispositivos pessoais e de trabalho com o mesmo nível de cuidado: mantenha a tela bloqueada, use senhas/PIN fortes, faça backup dos dados importantes e tenha atenção redobrada a qualquer tentativa de acesso não autorizada (seja um cabo desconhecido conectado à sua máquina ou um USB de procedência duvidosa).
  • Exposição Digital e Privacidade: Lembre-se de que tudo o que você faz online pode deixar rastros. Criminosos costumam coletar informações públicas sobre suas potenciais vítimas para tornar ataques mais eficazes. Por exemplo, dados retirados do LinkedIn ou Facebook podem ser usados para criar mensagens de spear phishing (phishing altamente direcionado) muito convincentes. Portanto, reduza sua pegada digital: reveja as configurações de privacidade das suas contas, pense duas vezes antes de compartilhar fotos, localização ou qualquer conteúdo que revele demais sobre você, seus hábitos ou sobre a empresa onde trabalha. Tenha cautela também com testes de personalidade e quizzes em redes sociais que solicitam dados pessoais; muitas vezes, eles servem de isca para coletar respostas a perguntas de segurança (como nome de pet, escola, etc.). E nunca forneça credenciais, códigos de autenticação ou informações sensíveis em resposta a comunicações não solicitadas. Órgãos legítimos não pedem senhas por e-mail, SMS ou telefone. Em resumo, adote uma postura vigilante sobre sua vida digital: quanto menos informações desnecessárias houver sobre você na internet, mais difícil será para um atacante enganá-lo ou tirar proveito da sua confiança.

Em conclusão, a segurança cibernética não é responsabilidade apenas da equipe de TI ou das ferramentas tecnológicas, mas também um compromisso de cada colaborador. Os ataques continuam evoluindo, mas a maioria deles ainda explora comportamentos humanos previsíveis: curiosidade, pressa, complacência ou desconhecimento. A boa notícia é que, munidos de conhecimento e adotando hábitos seguros, os usuários podem se tornar a primeira linha de defesa, não só de seu ambiente de trabalho, mas também de sua vida pessoal em um mundo conectado digitalmente. Portanto, fique atento, desconfie de solicitações inesperadas, siga as práticas recomendadas e incentive seus colegas a fazerem o mesmo. Uma cultura de segurança forte se constrói com pequenas ações diárias de todos nós, reduzindo drasticamente as chances de sucesso dos atacantes.

Referências Utilizadas:

  • Stanford University & Tessian – “Psychology of Human Error” (2020): estudo indicando que 88% dos vazamentos resultam de erro humano[1].
  • Verizon – Data Breach Investigations Report (2022): relatório anual indicando envolvimento do elemento humano em 82% das violações[2].
  • ISACA Journal – “The Human Element in Security” (2021): artigo ressaltando o fator humano como o elo mais fraco (67% dos ataques causados por negligência ou engenharia social)[3].
  • KnowBe4 / NCSA – Casos de estudo em segurança para PMEs (NIST, 2020): exemplo de phishing contra CEO de hotel resultando em perda financeira significativa[6][7] e caso de laptop roubado sem criptografia expondo dados sensíveis[19].
  • Keepnet Labs – Top Phishing Statistics 2025: estatísticas globais de phishing e engenharia social, incluindo taxa de sucesso de vishing em testes (70%)[8].
  • Varonis / LastPass – Data Breach Statistics 2024: dados mostrando 81% das violações ligadas a senhas fracas ou reutilizadas[9].
  • Forbes Advisor / Security Magazine (2024): pesquisa com 2.000 usuários revelando 78% reutilizando senhas e 37% compartilhando senhas com outras pessoas[10][11].
  • ENISA – “Tips for Secure User Authentication” (2020): guia de higiene cibernética enfatizando MFA, não reutilizar senhas, uso de gerenciadores e verificação de vazamentos[12][14].
  • Microsoft (Alex Weinert) – RSA Conference 2020: apresentação destacando que 99,9% das contas comprometidas não possuíam MFA habilitado[15].
  • ENISA – “Instantly Online – 17 Golden Rules for Mobile Social Networks” (2010): recomendações de uso seguro de redes sociais (logout, não salvar senha, separar contatos pessoais/profissionais, revisar privacidade)[17].
  • ENISA – Cyber Hygiene Guidelines: melhores práticas gerais, incluindo não deixar dispositivos desbloqueados ou desacompanhados em público[18].

[1] [4] Stanford Research: 88% Of Data Breaches Are Caused By Human Error

https://blog.knowbe4.com/88-percent-of-data-breaches-are-caused-by-human-error

[2] verizon.com

https://www.verizon.com/business/resources/T159/reports/2022-dbir-public-sector-snapshot.pdf

[3] 2021 Volume 5 Exploitable Traits as Vulnerabilities

https://www.isaca.org/resources/isaca-journal/issues/2021/volume-5/exploitable-traits-as-vulnerabilities

[6] [7] National Cybersecurity Alliance Case 4: Hotel CEO Finds Unwelcome Guests in Email Account

https://www.nist.gov/document/case-4-hotel-ceo-finds-unwanted-guests-email-account

[8] 2025 Phishing Statistics: Top Phishing Stats, Insights & Trends - Keepnet

https://keepnetlabs.com/blog/top-phishing-statistics-and-trends-you-must-know

[9] 82 Must-Know Data Breach Statistics [updated 2024]

https://www.varonis.com/blog/data-breach-statistics

[10] 78% of people use the same password across multiple accounts | Security Magazine

https://www.securitymagazine.com/articles/100765-78-of-people-use-the-same-password-across-multiple-accounts

[11] America's Password Habits | Security.org

https://www.security.org/resources/online-password-strategies/

[12] [13] [14] [16] [18] Tips for secure user authentication | ENISA

https://www.enisa.europa.eu/news/enisa-news/tips-for-secure-user-authentication

[15] Microsoft: Want to thwart account takeover attacks? Use MFA

https://www.welivesecurity.com/2020/03/09/microsoft-99-percent-hacked-accounts-lacked-mfa/

[17] Instantly online-17 golden rules for mobile social networks | ENISA

https://www.enisa.europa.eu/news/enisa-news/instantly-online-17-golden-rules-for-mobile-social-networks

[19] National Cybersecurity Alliance Case 3: Stolen Hospital Laptop Causes Heartburn

https://www.nist.gov/document/case-3-stolen-hospital-laptop-causes-heartburn

[20] Have I been Pwned | haveibeenpwned.com

https://haveibeenpwned.com/